Ao começar a divulgar seus textos nas redes sociais, todo(a) escritor(a) se pergunta: “será que agora vou ter de fazer dancinhas do TikTok?”. Sabendo ou não do que estou falando, nesta coluna eu convido você a refletir sobre a necessidade da exposição dentro da literatura.
Escrever literatura e se expor nas redes sociais parece contraditório para você? Posso arriscar que para muita gente é, principalmente porque fomos condicionados a acreditar que uma pessoa que desenvolve um trabalho “sério e intelectual” não pode ocupar um espaço regido pelo “ego”, pela necessidade de likes, pela perseguição de ser famoso(a) ou de “bombar na internet”.
Talvez seja um pensamento mais frequente para a minha geração — tenho 36 anos — e para as anteriores, mas eu já constatei esse desconforto também em gente mais nova. No entanto, arrisco dizer que parece mais contraditório para os(as) escritores(as) do que para o restante da humanidade. Ou seja, é mais estranho começar a se expor como escritor(a) nesse ambiente do que para quem está acompanhando o processo de fora.
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Os cringes também usam as redes
Tudo o que compartilho aqui (e, em especial, este texto) tem a ver com a minha própria experiência na escrita e em divulgar a minha carreira literária. Para os jovens, sou considerada cringe . Uso emojis em mensagens, já pesquisei o significado de expressões que vi no Twitter e definitivamente não tenho uma conta no TikTok (uma plataforma voltada para vídeos curtos, na qual a tendência são as tais dancinhas e músicas virais).
Mas eu estou, sim, presente nas redes mais tradicionais (existe isso?) e, há algum tempo, divulgo meus escritos e meu livro por lá. Não tenho um grande número de seguidores, mas saiba que isso nem importa tanto. Aliás, essa é uma das principais lições a ser aprendida antes de se deixar levar pelos bloqueios da exposição.
Ter muitos mil(hões) de seguidores nem sempre significa uma audiência engajada, ou seja, interessada no seu conteúdo, que interage com aquilo que você posta, que eventualmente indica seu perfil para os próprios seguidores. Em resumo, ter muitos seguidores não é sinônimo de sucesso nem que seu público enxerga você e seu perfil como relevante. Essa relevância não se alcança do nada, sem conhecer minimamente os interesses de quem segue você, sem fazer testes ou lançar mão de algumas estratégias.
Caso você tenha descoberto isso agora, saiba que engajamento também não precisa ser uma meta — que imprime tanto ou mais pressão que ter muitos seguidores. Há, sim, várias técnicas e dicas para aumentar esses índices, mas o mais importante, antes de tudo, é refletir com carinho sobre algumas questões. É por isso que este texto se apresenta não como um “manual de uso das redes sociais”, mas sim um conjunto de provocações para que a gente não enlouqueça a partir delas, para que a gente saiba para onde está indo (e não apenas seguindo um bonde imaginário, sem se questionar ao menos o porquê).
Entendo que esse assunto possa ser mais difícil para quem se entende como low profile, ou seja, quem não gosta de se expor ou de falar sobre a própria vida num ambiente sem muito controle. Primeiro de tudo, acho que é fundamental saber que existem diferentes formas de apresentar seu conteúdo, sem necessariamente seguir uma cartilha ou se sentir desconfortável.
Também é importante se perguntar: por que é interessante falar sobre meu trabalho literário nas redes sociais? Enxergo como uma obrigação? Tem jeito certo de fazer isso? Vou ser achincalhado(a) pelos meus pares? Eu me importo com isso? Preciso mesmo usar meu perfil pessoal? Quem são os(as) escritores(as) que admiro e como eles(as) usam essas ferramentas?
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Divulgar seu trabalho ≠ querer ser famoso(a)
Como eu explico logo no início do texto, as redes geralmente são vistas como exposição a qualquer custo, ideia que afasta muita gente de um espaço que pode ser utilizado de modo saudável e consciente. Elas são uma oportunidade de alcançar leitores interessados naquilo que você escreve, de criar um público leitor para seus textos e de se conectar com outras pessoas do meio.
Vejo muita gente demonizar as redes sociais e eu acho que não dá mesmo para tratar com ingenuidade os grandes problemas ligados à privacidade e à venda de dados, as armadilhas criadas pelo algoritmo para nos manter cada vez mais conectados e a necessidade de produzir conteúdo gratuito em troca de recompensas vagas, como curtidas e comentários, algo que nos dá a falsa sensação de sermos queridos e um pseudopertencimento. Alguns documentários, como “O dilema das redes”, problematizam essas questões.
Mesmo assim, é inegável a influência que os ambientes digitais exercem sobre nossa vida — e até mesmo sobre a maneira como nos relacionamos e construímos as nossas personas (também) profissionais. São mais de 4,62 bilhões de usuários e é difícil pensar em uma pessoa que você conhece que não tem pelo menos um perfil, seja no Instagram, no LinkedIn, no Twitter, no TikTok, no Facebook ou até mesmo no WhatsApp, que também possibilita divulgações por meio dos status. Se você escreve, será que faz sentido separar essa atividade do perfil que você tem na internet? Como já falei aqui, compartilhar seus escritos possibilita ser lido(a) e abre espaço para outros sentidos. Criar um público leitor leva tempo. É comum, dentro da jornada da escrita, contar apenas consigo para se divulgar. Isso quer dizer que, mesmo sendo publicado(a) por uma editora, muitas vezes ela não consegue absorver a demanda de divulgar todos os autores, o que exige um esforço pessoal do próprio(a) autor(a) para compartilhar a trajetória.
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Além disso, o público de um(a) iniciante muitas vezes é formado por amigos e familiares, os mais propensos a apoiar suas atividades artísticas. É por isso que integrar a caminhada na literatura em seu perfil pessoal, mesclando conteúdos do dia a dia com a produção de textos, por exemplo, costuma ser uma boa estratégia. Contudo, um passo importante é assumir (para si e para o mundo) que você escreve — e isso nem sempre é fácil.
E também vale lembrar: as redes também são a oportunidade de conhecer artistas independentes, de furar a bolha de grandes conglomerados — inclusive os literários — e de apoiar quem está se aventurando em novas carreiras.
Sair do armário da escrita
No mestrado em estudos culturais, estudo a importância de espaços exclusivos para mulheres escritoras. Acompanho também perfis de gente que escreve nas redes, enquanto eu mesma desenvolvo minha carreira literária e me aproveito desses espaços. Uma das hipóteses que estabeleço para a minha dissertação é que, a partir do momento que uma mulher assume publicamente que é escritora, há uma mudança interna que proporciona mais coragem de exposição, o que impacta diretamente a maneira como ela passa a divulgar sua produção literária — não apenas nas redes.
Comigo foi mais ou menos assim. Eu me inscrevi em um edital cultural, o ProAC (em que acabei sendo contemplada) e, no formulário de inscrição, tive que inserir meus perfis nas redes sociais. Naquele momento, entendi que a forma como eu me apresentava era um instrumento de avaliação e decidi iniciar meu percurso de maneira mais profissional. Foi tão marcante para mim que guardo a data: 16 de setembro de 2020. Deu medo, frio na barriga, mas também assinalou algo que eu (e muita gente) já sabia.
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Eu já era uma escritora. Faltava usar minhas redes sociais — espaço que muitas pessoas usam em grande parte do tempo — estrategicamente. Essa nova perspectiva alterou a forma como eu me apresentava, mas também possibilitou que mais gente conhecesse meu trabalho, além de gerar oportunidades. Cartas de uma pandemia: Testemunhos de um ano de quarentena (Claraboia, 2021), coletânea organizada por mim e por Tainã Bispo, nasceu de um projeto das redes e dos elos que eu me propus a estabelecer a partir do momento em que me abri às conexões literárias.
Minha pesquisa tem foco em Gênero, mas creio que também passa pelos homens essa etapa de se colocar no mundo, ainda que virtual, como alguém que escreve. Essa validação de ser ou não escritor(a) geralmente é buscada em algo externo — um livro publicado, uma aprovação em antologias, uma autopublicação, ter textos veiculados em jornais… Porém, a caminhada precisa, muitas vezes, ser iniciado do lado de dentro. É necessário, sim, se intitular escritor(a) primeiro, para que então outros possam fazê-lo. A simples decisão de colocar na bio do Instagram que você é escritor(a), criar uma conta profissional (e, portanto, pública), postar seus textos ou falar sobre a relação com a escrita transforma não apenas a sua intenção dentro das redes, como impacta na forma como outros(as) enxergam a sua trajetória.
Os ciclos da divulgação: a metáfora da praia
Como uma mulher que escreve, que começou a “se assumir” escritora nas redes há uns dois anos (embora se dedique à literatura há muito mais tempo), que já organizou uma coletânea e publicou um romance, posso dizer que as etapas do trabalho de divulgação passam por ciclos, não são sempre as mesmas.
Para mim, é fácil relacionar a uma ida a uma praia ainda desconhecida. No início, quando a gente percebe que precisa divulgar nosso trabalho nas redes sociais, parece mesmo com a chegada a esse novo lugar: um misto de expectativa e até receio pelo que vai encontrar. Acontece que a imagem que a gente tem do mar, visto da areia, nem sempre condiz com a realidade. Muitas vezes, acreditamos que a água está mais ou menos gelada, há alguns redemoinhos e algumas coisas fogem do esperado. No meu caso, eu já usava as redes para me conectar com amigos, ler gente nova, compartilhar conquistas. Mas a ideia de me assumir escritora causava medo.
Quando comecei o processo de divulgar meu livro — uma etapa que se iniciou quando passei no edital —, avancei um pouco para dentro do mar. Eu já tinha um projeto em andamento (um livro) e era necessário falar sobre ele. Aliás, esse é um dos deslizes que eu enxergo em algumas pessoas que estão começando a carreira literária: tem gente que esconde sua atividade de escrita por muito tempo e, de repente, começa a vender um livro. Para quem acompanha, pode soar estranho. “Ué, como assim, ele(a) escreve?”. Se sua intenção é publicar uma obra, é importante construir com seu público, ainda que de conhecidos, essa trajetória. Contar que você escreve, compartilhar textos, falar sobre o percurso. Ou, então, você corre o risco de pegar sua audiência desprevenida, sem ter tempo de assimilar essa nova ideia, e até perder a chance de realizar vendas. Acho importante iniciar de alguma maneira, mesmo que sem recursos profissionais. Ao começar a divulgar seu livro, você já está dentro da água e, dependendo da força das ondas, em alguns momentos nem dá pé.
Mas é essencial aproveitar a praia, por isso, considero essa etapa como aquela que, mesmo sem saber o tamanho das ondas, a gente precisa tentar nadar. É importantíssimo planejar suas divulgações de venda com estratégia, o que nem sempre quer dizer duração prolongada. Minha pré-venda durou apenas quinze dias e eu vendi mais de um terço dos exemplares disponíveis. No entanto, posso dizer que esse caminho já vinha sendo trilhado antes. O público leitor já sabia que o livro viria — e essas informações prepararam uma campanha de pré-venda e de lançamento. Arrisco dizer que esse é o melhor momento de todo o processo. É quando pessoas queridas compram seu livro, dividindo essa conquista com você; é quando surgem retornos positivos sobre o seu trabalho, é quando você percebe que todo o esforço foi, de alguma forma, recompensado.
Não deixa de ser cansativo, porque, se você não se manter estável (física e psicologicamente), a maré de imprevistos e inseguranças pode te carregar. Então, acima de tudo, é preciso estar atento(a) e forte. Quando a novidade passa, quando você já entendeu como permanecer dentro do mar sem grandes sustos, é também um processo bonito. Acredito que hoje, quatro meses depois do meu lançamento, eu esteja nesse ponto. Já sei me manter na água, mas, talvez, com um novo livro, a praia seja outra e o ciclo recomece. O que tenho entendido nessa experiência é que será difícil deixar de estar na praia — ou deixar de usar as redes para divulgar meu trabalho literário.
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Onde estar
Como já disse, entender em quais redes você deve estar depende de um grau de autoconhecimento e disposição. Também vale pensar, de forma macro, quem é o público que pode consumir seu conteúdo e suas obras. Onde essas pessoas estão? Como elas se relacionam ou podem se relacionar com aquilo que você produz? Aos pouquinhos, você entende também a importância de construir a sua marca social dentro das redes, ou seja, personalizar cada vez mais o conteúdo, de forma que os seguidores possam enxergar seu posicionamento, entender sobre o que você escreve e até “ouvir a sua voz” ao ler os textos. E não se preocupe em definir nada para sempre, porque essa marca se transforma, assim como suas prioridades e seu estilo. O mais difícil, para mim e muita gente, é ter de relacionar a imagem pessoal ao conteúdo literário. Os algoritmos não facilitam a vida de posts “sem rosto” e, além disso, as redes sociais trabalham demais com a curiosidade. Isso quer dizer que é importante para o público personificar aquele(a) escritor(a), saber quem está por trás desses textos e até conhecer curiosidades sobre sua vida. Vencer a timidez e colocar o rosto para jogo é um processo que pode ser feito aos poucos, respeitando os próprios limites.
Redes sociais
Não é preciso estar em todas as redes (há quem diga que sim), mas é importante saber como cada uma se comporta antes de levar seu conteúdo para lá. O Instagram é utilizado por muito(as) escritores, em comparação com outras redes, porque, além da presença de muitos usuários, mescla conteúdos profissionais com atividades de lazer e um bom tanto de vida pessoal.
Porém, como o foco da rede são fotos e vídeos, as legendas são limitadas, o que nem sempre é bom para quem gosta de publicar textos mais longos. Apenas para passear pelas principais, ainda tem LinkedIn, usado para contatos profissionais; Twitter, voltado para insights e textos curtos; Facebook, uma rede que dizem estar morrendo, mas ainda tem um volume considerável de participação, principalmente pela existência de grupos; o TikTok, conhecido pelas “dancinhas” e por explorar conteúdos de forma fácil e rápida.
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Newsletter, Medium ou podcast
Reuni aqui algumas estratégias usadas por escritores para oferecer conteúdo literário (geralmente gratuito) de maneira periódica e para formar uma rede mais próxima de leitores. A newsletter pode ser criada e enviada sem custos* por plataformas como MailChimp, Substack e Revue. Você pode compartilhar textos inéditos, mas também reflexões e o que tem visto por aí.
O mais legal da newsletter (tenho a minha desde abril de 2021, para compartilhar o processo de escrita do livro) é criar realmente uma rede em que os leitores não leem seu conteúdo com a pressa das redes sociais. É um meio pelo qual eles se conectam com o que você escreve, aguardam novas produções e costumam dar retornos genuínos. *verifique os planos gratuitos disponíveis.
Na esteira de agregar conteúdo de forma periódica, também existem outras opções de compartilhamento, como criar um perfil no Medium (plataforma parecida com os blogs), em que você pode divulgar — e, o mais importante, organizar, catalogar e arquivar — materiais literários. Se você gosta não apenas de escrever, mas de falar, outra alternativa é criar um podcast, plataforma de áudio que inclusive pode abordar questões literárias. Há muitos podcasts nesse formato, cada um com sua particularidade.
O mais importante é criar formas de se conectar com o público, de se aproximar dele por meio da escrita, gerando interesse para seus textos, livros ou, quem sabe, cursos e outros serviços que você venha a oferecer.
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Espaços de interação presencial e virtual
Estamos falando aqui de redes sociais, o que não precisa necessariamente se limitar ao espaço virtual. Isso porque há muitos ambientes literários que se apresentam como redes. Coletivos de escritores e até grupos de leitura são excelentes ambientes para se estar e se relacionar com pares.
Alguns desses grupos derivam inclusive de cursos de escrita, uma vez que são redes de pessoas com interesses em comum. Há também espaços exclusivos, como grupos apenas de mulheres etc. Essa é uma maneira de também criar contatos no meio, ler outros(as) autores(as), divulgar o próprio trabalho e aprender cada vez mais.
Como encontrar tempo para tudo isso?
Eu sei que você deve estar se perguntando: “em que momento vou escrever?”. Entender como divulgar seu trabalho nas redes sociais, criar estratégias e produzir conteúdo consome tempo — o que, para muitos, é o tempo que sobra para escrever. O mais importante, na minha opinião, é o planejamento e a organização. Mas, para que essas atividades não se tornem um fardo, é fundamental entender que é quase impossível ser escritor(a) & influenciador(a) de conteúdo.
É difícil perseguir as metas do algoritmo, postar todos os dias e criar conteúdo em diferentes formatos. Mesmo se você programar postagens e contar com auxílio externo, nem sempre um(a) escritor(a) dá conta. Tenho entendido que divulgar meu trabalho nas redes sociais é importante, mas não pode tomar mais tempo que a minha escrita.
Para mim, esse é um sinônimo de sucesso. Também tem de ser orgânico e ter relação com minha trajetória, ter a ver com a minha personalidade. Para retomar a metáfora da praia, acredito que esse esforço ligado à divulgação de meus textos precisa ser leve e divertido, muito mais um passeio do que um trabalho. A exposição faz parte do processo e deve fazer sentido para cada um.
Caso isso não aconteça, é preciso repensar a rota. Mas acredito que, quando usadas de forma consciente e sem neuras, as redes sociais se tornam uma alternativa bastante efetiva para divulgar textos e livros, conectar-se com leitores, compartilhar processos (e não apenas resultados finais) e estabelecer um caminho possível.