Antes de tudo, vou devolver uma pergunta: por que você escreve? Como não existe uma respostaúnica, ou óbvia, essa motivação pode guiar o seu percurso na escrita.
Quando a equipe da Editora Paraquedas me sugeriu o tema, fiquei alguns dias matutando sobre como falar desse caminho cheio de complexidades. Afinal, há diversos tipos de escritores(as) e várias maneiras de desenvolver uma carreira na escrita. Não há uma resposta óbvia, tampouco uma forma de mensurar o que seria “bom” ou “boa”. Ter muitos livros publicados? Estar na lista de mais vendidos? Receber prêmios? Aparições recorrentes na imprensa? Palestrar sobre o ofício?
A verdade é que tudo isso pode simbolizar certa autoridade ou status, mas não representa, necessariamente, uma lista a ser perseguida, um selo de qualidade. Durante a trajetória na escrita, a gente entende que o que faz sentido tem mais a ver com o que nos move internamente.
Por isso, devolvo a pergunta: por que você escreve ou quer escrever? Como não há uma resposta única, ou óbvia, essa motivação pode guiar o seu percurso na escrita – mas, ainda sim, há muitos caminhos possíveis. Não tem problema não saber de antemão por que você escreve. Porém é importante pensar sobre isso. Diante das inúmeras vezes em que você pensar em desistir (acredite, elas virão), essa resposta será sua bússola.
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Em segundo lugar, é preciso estar ciente de que escrever não é um dom, um talento, algo que “se nasceu para fazer”. A gente aprende a escrever na prática e na teoria. É uma atividade como outra qualquer e, portanto, se aprende pela experiência, mas também com formação especializada.
A crença de que existem escritores predestinados é bastante excludente, ainda mais se considerarmos quem mais acessou os privilegiados postos da literatura por tanto tempo: homens brancos, cisgêneros, heterossexuais, de classe média alta. Sustento que qualquer pessoa pode escrever, mas é preciso paciência, persistência e autoconhecimento.
Diria ainda que o mais importante é dar valor ao próprio caminho e ao seu processo – sempre contínuo – de escrita. Nada acontece de uma hora para a outra, por isso é essencial reconhecer até as pequenas conquistas e se atentar à necessidade de rever as próprias rotas. Veja, a seguir, dicas de como se tornar um bom escritor.
Aprendemos em cursos, nas leituras e também com quem nos inspira
Numa aula que participei da escritora Andréa del Fuego, ela definiu a experiência da escrita como cumulativa: são como as horas de voo de um piloto. Lembrei-me de quando me cobrava muito ao começar um novo emprego, e um amigo meu costumava dizer: “tempo de empresa se conquista com tempo de empresa”. Ou seja, não há atalhos. Podemos nos empenhar em fazer quinze cursos por mês e encontrar a oportunidade de publicar três livros por ano, mas, mesmo assim, algumas experiências e aprendizados se assentam dentro de nós somente com o passar do tempo.
Os cursos são ótimos, mas apenas eles não garantem uma escrita de qualidade. Diante de todas as informações que são apresentadas e nas diferentes formas de escrever que aprendemos em cursos ofertados por escritores(as), é preciso encontrar o próprio norte, ou então só repetiremos o que outres já fizeram (essa lição eu também aprendi com a Andréa). Isso só se descobre com experiência, conhecendo a própria escrita. Para continuar na metáfora do voo, eu diria que é preciso encontrar a nossa própria maneira de decolar e de pousar.
Não posso deixar de falar na importância da leitura. Você já deve ter ouvido que não é possível escrever bem sem ser um(a) bom(a) leitor(a). Essa é uma verdade incontestável. É preciso ler, sempre e muito. É essencial questionar sobre o que se lê e quem escreveu aquilo que se lê. A literatura é um espaço de poder, em que se pode dizer sobre si e sobre o mundo.1
Por isso, leia diversos gêneros textuais, leia clássicos e também literatura contemporânea, conheça editoras e autores independentes, mas também contemple autorias diversas (seja em relação a gênero, raça, classe social, localização geográfica e orientação sexual). Esse é um ótimo conselho para desenvolver sua escrita e o seu fazer literário, que também é político. Não existe literatura neutra. Você escreve de um lugar, a partir da sua condição e experiência de mundo. Amplie o seu olhar para o que você consome, pois isso também fará parte da bagagem.
Seja por meio de conteúdos técnicos, seja por meio das leituras, você aprenderá com os outros. Mas também há meios de se inspirar em trajetórias de bons(as) escritores(as). Uma carreira literária não se apoia apenas naquilo que produzimos, mas também na forma como apresentamos isso ao público. Quem escreve quer ser lido(a). Não guarde para si os seus textos, desenvolva uma relação de troca com leitores e leitoras. Sei que você pode pensar que ainda não tem quem leia a sua produção, mas um público-leitor também se cria. Se você nunca falar sobre a sua escrita, como espera que as pessoas o(a) conheçam?
Observe como escritores e escritoras que você admira se apresentam ao mundo e em quais espaços costumam estar. Estamos sempre seguindo a trilha de quem já começou a viagem antes de nós, o que não quer dizer imitar ou copiar outras pessoas. Aqui também vale a máxima de encontrar o próprio ritmo e aquilo que move você, o que faz sentido para a sua escrita.
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Encontrar os próprios caminhos, sem neuras e pressões
Outro conselho que será importante na sua caminhada: evite comparações. Admirar a trajetória de quem veio antes deve ajudar a desvendar caminhos, não criar pressões e estabelecer um manual de instruções – que, aliás, nem existe. Uma amiga escritora, que pensa em publicar seu primeiro livro, confessou-me uma vez que se sentia “parada no tempo” quando se comparava com outras escritoras que conhecia. Essa frase despertou um gatilho em mim, porque muitas vezes tive o mesmo pensamento. Foi com algumas sessões de terapia que entendi que essa forma de comparação é injusta.
Primeiramente: cada trajetória é única, ninguém tem as mesmas oportunidades e escolhas que outra pessoa. Segundo, possivelmente ela não estava “parada” (assim como eu também não estive, quando pensava assim). Os caminhos que percorremos paralelamente à escrita, sejam eles destoantes ou não da literatura, fazem parte do que elaboramos, do que somos hoje, e também do que escrevemos. Tudo é experiência. Em terceiro lugar, não há uma única forma de se fazer algo, cada caminho é singular – e, por isso, tão interessante.
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A exposição faz parte do processo
É comum sentir vergonha de mostrar seus textos, mas lembre-se de que esse tipo de exposição faz parte. Considere que aquela produção é parte de uma trajetória, que também não é estanque. Desaguar o que se produz pode estabelecer conexões com seu público, e até receber críticas ou retornos que fortalecerão você. Além, é claro, de abrir espaço para que outros textos surjam. Muito do que escrevemos também serve para elaborar o que vivemos, ordenar nossas questões internas, organizar como nos posicionamos diante do mundo. Esse exercício de compartilhamento cria a experiência de ser lido(a) e abre espaço para outros sentidos.
As possibilidades de publicações são variadas, nem sempre remuneradas (principalmente para autores iniciantes), mas lembre-se de que existem revistas e antologias que exigem material inédito. Assim, planeje quais conteúdos podem ser publicados em sua rede social, por exemplo, e quais podem ser preservados para essas outras oportunidades.
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Nada mais do que eu possa dizer sobre se tornar um(a) bom(a) escritor(a) é melhor do que: respeite a sua jornada. Expliquei logo acima que escrever é uma atividade como outra qualquer, aprende-se. Na trajetória literária existe algo que é só seu, uma forma de fazer que ninguém ensina, descobre-se. Ao escrever um texto, eu não sei exatamente o que vai acontecer ao longo da história, é ela que se conta, é ela que se apresenta. Penso que o mesmo acontece quando percorremos o caminho de se tornar um(a) escritor(a).
O escritor turco Orhan Pamuk, ganhador do prêmio Nobel de literatura, disse no seu discurso de vitória² que “o escritor é uma pessoa que passa anos tentando descobrir com paciência um segundo ser dentro de si, e o mundo que o faz ser quem é”. Mais adiante, ele afirma que o segredo de escrever não é a inspiração, mas a teimosia, a paciência. É preciso se abrir às possibilidades, mas, além de fazer planos, entender que muito do fazer literário se descobre ao longo do caminho. Com teimosia e paciência.
Referências: 1. Se você tem interesse em saber mais sobre a literatura como espaço de poder, recomendo aleitura do seguinte artigo, da teórica Regina Dalcastagnè: https://iberical.sorbonne-universite.fr/wp-content/uploads/2012/03/002-02.pdf.
2. Esse discurso está reproduzido na íntegra em: PAMUK, Orhan. A maleta do meu pai. Trad. Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.